Cartilha do Esperto

A língua portuguesa tem suas armadilhas no que tange ao sentido real das palavras.

Quando temos que nos preocupar com a colocação destas ou até de certas expressões, pois podemos cair em contradição ou ridículo, pelo duplo sentido, não conseguindo traduzir o verdadeiro enfoque do que queremos dizer.

Esperto é uma destas palavras.

No Aurélio, ao folhearmos, define-se como acordado, desperto, inteligente, fino, ativo, vivo ou velhaco, ou seja, em sua própria definição é bastante abrangente, sem uma especificação concisa, exata.

Se procurarmos sua origem, chegaremos a conclusão de que em outras línguas, é uma expressão exata, como o " expert " do inglês ou "esperto" do espanhol que são realmente definidos, é aquele que adquiriu experiência comprovada dentro da sua área de atuação, através da prática ou do estudo.

No Brasil, a cabeça de cada um (ou a educação) define o grau de esperteza do indivíduo. É prática difundida em todo território nacional, sem aprovação em qualquer tipo de escola, ou reconhecida experiência anterior. Simplesmente o indivíduo se auto-intitula, e antes de qualquer julgamento, não aceita contra-argumentações, pois a prática lhe traz benefícios imediatos, em que pese muitas vezes não conseguir enxergar efeitos colaterais em outro qualquer, o próximo não faz parte da cartilha do esperto.

O futuro também é algo que não é pesado nas atitudes imediatistas do esperto, pois a vantagem adquirida no momento o faz acreditar piamente que será o anteparo para intempéries futuras.

Bem, ao final, este esperto se confunde com a definição do Aurélio, onde esperto significa inteligente, mas que não especifica se todo inteligente também seja esperto, pois isto, repito, está intrínseco à formação de cada indivíduo, independente de religião, raça ou credo.

No âmbito avícola, existem algumas pré-conceituações quanto ao assunto, mas nem sempre são verdadeiras, pois existe uma corrente muito grande de informações circulando travestidas de assistência técnica, que são distorcidas ao receptor no intuito de prestação de serviços, pondo em prática o real objetivo da esperteza por ambos os lados.

No caso do "prestador de serviços" que se julga o esperto bastante para a manutenção de suas metas comerciais, oferecendo um "milagre" por visita, esquecendo que antes de vendedor ele é profissional, e que com o tempo, sem dúvida nenhuma há um desgaste crucial de imagem profissional, não só própria, mas de toda sua classe, através da esperteza.

No caso do "interlocutor" seu sub-consciente é quase de êxtase, pois não consegue distinguir a diferença de uma real assistência técnica, da oferta gratuita destes serviços, e em primeira instância acreditar ter feito um alto negócio, e de graça, num mundo globalizado, onde tudo é custo (só o esperto pode realmente acreditar que papai noel existe).

E cada vez mais temos menos colocações para profissionais competentes no mundo dos espertos, pois o que vale ao fim de cada período é a avaliação dos números finais, das metas estipuladas e não a confiança adquirida pelo desempenho consciente da atividade técnica, os resultados obtidos em ganhos de produtividade e a manutenção do cliente como parceiro com longevidade.

Ou, por outro lado, o desestímulo daquele profissional que conscientemente tenta prestar algum serviço e se depara com aquela situação de que muitos milagrosos visitam o mesmo cliente, que parece inerte ao tentar distinguir qual milagre põe em prática primeiro, e quando acorda, a galinha já foi para o brejo!!!!!

No caso comercial acredito que a prática pode ser ainda melhor exemplificada, pois a conseqüência é ainda mais rápida, e não só para quem não pratica, mas principalmente para o vetor inicial. Observe os preços atuais praticados para pintos de um dia, frango vivo e frango abatido, que são o resultado de nossa atividade (o que nos remunera), e que são praticados por todos, em conseqüência da esperteza, naquele leilão de um centavo esperto a menos na venda de cada um destes produtos, para não perder o Cliente.

A conseqüência de tudo isto é que pelo lado do comprador ele está matando o fornecedor, e se matando gradativamente, pela piora na qualidade, pois este fornecedor não é remunerado adequadamente para produzir bem, isto é, quando ele consegue receber no momento adequado seus vencimentos (com os juros justos), ou até receber, pois esta é a prática esperta mais disseminada atualmente.

A tônica da expressão de que "o mundo é dos espertos" esta totalmente fora de moda, pois enquanto não enxergarmos que estamos todos no mesmo barco, literalmente, e que se nos aproveitarmos de uma situação hoje, estamos dando liberdade que façam o mesmo conosco amanhã, nunca foi tão verdadeira.

O respeito mútuo entre as pessoas e empresas, como também à própria atividade, nunca foi atribuição dos espertos, mas sim dos educados e inteligentes.

Precisamos sem dúvida passar a limpo o dicionário do Brasil, para que possamos nos expressar corretamente, sem que se gere qualquer dúvida naquilo que dizemos ou agimos, sem deixar seqüelas nas pessoas, que são o ponto mais importante do processo.

Renato Critter